sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

J'ACCUSE...

Ainda ecoavam em mim os sons dos festejos de fim de ano, que gosto tanto, quando recebi este e-mail de minha cunhada Sandra e desabei como Profissional, como Pessoa, como Mulher que nas suas entranhas esculpe vida, como Gente, como Povo ...
Ao resolver que abriria os trabalhos do "De olhos fechados" com esta postagem tenho a intenção de a partir deste ano que se inicia, não me permitir esquecer o que aqui li e dar a todos que por aqui passarem e pararem a oportunidade da reflexão.
Maria Emilia Xavier
  
"Mon  devoir  est  de  parler,  je  ne  veux pas être complice ."  (J'accuse - Émile Zola) *




Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte, um estudante processa a escola e o professor que lhe deu notas baixas, alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para a prova subsequente. (Notem bem: o alegado “dano moral” do estudante foi ter que... estudar!).

A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças constantes. Ainda neste ano, uma professora brutalmente espancada por um aluno. O ápice desta escalada macabra não poderia ser outro.

O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as lágrimas eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem tomando conta dos ambientes escolares.

Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e imperativo de convivência supostamente democrática.

No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas que “era proibido proibir”. Depois, a geração do “não bate, que traumatiza”. A coisa continuou: “Não reprove, que atrapalha”. Não dê provas difíceis, pois “temos que respeitar o perfil dos nossos alunos”. Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno “construir seu conhecimento.” Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, “é o aluno que vai avaliar o professor”. Afinal de contas, ele está pagando...

E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação geral epidêmica, travestida de “novo paradigma” (Irc!), prosseguiu a todo vapor, em vários setores: “o bandido é vítima da sociedade”, “temos que mudar ‘tudo isso que está aí’; “mais importante que ter conhecimento é ser ‘crítico’.”

Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de panfleto e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a mercantilização desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina é anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno – cliente...

Estamos criando gerações em que uma parcela considerável de nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que “o mundo lhes deve algo”.

Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas, cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de um professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, sentir, amar.

Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos todos os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, fará parte do devido processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser apresentada pelo Ministério Público. A acusação penal ao autor do homicídio covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença devida ao célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que estão por trás do cabo da faca:

EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende relativizar tudo e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa;

EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto, que romantizam a “revolta dos oprimidos”e justificam a violência por parte daqueles que se sentem vítimas;

EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas do politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres para tumultuar e cometer crimes em outras escolas;

EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com mestrado e doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão pressionados a dar provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para “adequar a avaliação ao perfil dos alunos”;

EU ACUSO os últimos tantos Ministros da Educação, que em nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a proliferação de cursos superiores completamente sem condições, freqüentados por alunos igualmente sem condições de ali estar;

EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade com o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras missões na sociedade;

EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente, cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual, finge que não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto hoje vale muito mais do que seu sucesso e sua felicidade amanhã;

EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam seus alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para maquiar estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com segundo grau completo cresceu “tantos por cento”;

EU ACUSO os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham pela massificação do ensino superior, sem entender que o aluno que ali chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno “terá direito” de se tornar médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo para o desespero de seus futuros clientes-cobaia;

EU ACUSO os que agora falam em promover um “novo paradigma”, uma “ nova cultura de paz”, pois o que se deve promover é a boa e VELHA cultura da “vergonha na cara”, do respeito às normas, à autoridade e do respeito ao ambiente universitário como um ambiente de busca do conhecimento;

EU ACUSO os “cabeça – boa” que acham e ensinam que disciplina é “careta”, que respeito às normas é coisa de velho decrépito;

EU ACUSO os métodos de avaliação de professores, que se tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são comprados e vendidos em troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis;

EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade dos políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como ACUSO os professores que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar a devida punição;

EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e coordenadores que impedem os professores de punir os alunos que colam, ou pretendem que os professores sejam “promoters” de seus cursos;

EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram condutas desrespeitosas de alunos contra professores e funcionários, pois sua omissão quanto aos pequenos incidentes é diretamente responsável pela ocorrência dos incidentes maiores;

Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos - clientes, serão despejados na vida como adultos eternamente infantilizados e totalmente despreparados, tanto tecnicamente para o exercício da profissão, quanto pessoalmente para os conflitos, desafios e decepções do dia a dia.

Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de grandeza, estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada e essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível que podemos chamar de “o outro”.

A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica, hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: “Se eu tiro nota baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo, mato, a culpa é do sistema. Eu, sou apenas uma vítima. Uma eterna vítima. O opressor é você, que trabalha, paga suas contas em dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu queria. Estou com muita raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão. Mas agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.”

Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer motivo. Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada ignóbil no professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte não seja em vão. É hora de repensarmos a educação brasileira e abrirmos mão dos modismos e invencionices. A melhor “nova cultura de paz” que podemos adotar nas escolas e universidades é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade, responsabilidade, disciplina e estudo de verdade. 
 Igor Pantuzza Wildmann
 Advogado – Doutor em Direito. Professor universitário.



* "Meu dever é falar, não quero ser cúmplice."

10 comentários:

chica disse...

Tens razão...essa mensagem não pode ser esquecida.É forte e contundente, cheia de verdade!

beijos,chica

Renata Fagundes disse...

É uma verdade estarrecedora...chega dá um nó na garganta, mas é preciso falar, protestar, e se fazer ouvir.

beijos cintilantes querida

Ricardo e Regina Calmon disse...

PRECIOSA DECLARAÇÃO E ALERTA DO DIGNÍSSIMO DR IGOR!MARRAVILHA sic!
Absolutamente e verdadeira,aqui no Rio,em escola da elite, tres alunos pegos fumando cannabis sativa,não tiveram matrículas suas renovadas,e os pais,contrataram Michel Assef,criminalista,para processar o colégio!absurdo total!
Mas,nem tudo perdido está,a Presidente Dilma,que continua a me deixar com a pulga atrás da orelha,disse mui bien e me emocionou,em posse sua, no Parlamento,quando citou meritóriamnente,os professores e professoras,como Autoridades em Educação,e que seu governo atenção prioritária a essa divina classe ,que para mim,operária sagrada é,por melhores condições,dignidade e segurança!
E há dias,uma vice diretora em público colégio nos EUA,morta a tiros foi e o diretor,em gravíssimo estado está!

Solidarizo e clap,clap clap clap,a esse digno Advogado!
Merci aussi,pelo terno e de energia recheado,comentário tuo,acerca família minha!
Beijo mãos suas,Senhora Professora,Maria Emília!

Viva La Vida!

TUDO PELA EDUCAÇÃO!

Gilson Faustino Maia disse...

Parabéns, Maria Emília, cada um que lute com as armas que tem. Quem souber, responda: Existe algum parlamentar professor? Quem? Quantos? Meu abraço.

Eduardo Medeiros disse...

bravo!!!

as mudanças são inevitáveis já que os tempos mudam e adequações precisam ser feitas em todas as esferas da sociedade, inclusive, na escola.

mas o autor está absolutamente certo ao denunciar o clientelismo e a absolutização do relativismo na educação, onde o que importa são os números e a paparicação ao aluno-ditador e às vezes, assassino. é vergonhoso esse estado de coisas.

JoeFather disse...

Amiga, fiquei estarrecido, nunca tinha lido na íntegra, agora me fiz o favor!

Se algo não mudar no futuro, cadê o futuro?

Parabéns pela divulgação!

Abraços renovados!

Lídia Borges disse...

O futuro de um país fica penhorado quando a autoridade de um professor é, assim, aniquilada, quando a Escola perde a capacidade de exercer a sua nobre função de Educar.


L.B.

Caca disse...

Concordo com a maioria das assertivas do texto, Maria Emília! Há que se considerar que se propaga tanto que um pais só evolui com educação, portanto temos que ter educação e não treinamento para o mercado e negócio gerador de lucros disfarçado de pedagogia, como tem sido por aqui. Parabéns pelo belo texto e que ele sirva de estímulo à reflexão e para a luta a todos que tiverem acesso. Abraços. Paz e bem.

Anônimo disse...

Maria: Tens toda a razão agora ja não se pode sequer fala mais alto para um aluno que ja dá sarilhos, no meu tempo levava umas reguas nas mãos ou na bunda e bico calado senão chegava a casa ainda levava mais sabes é uma vergonha.
Beijos
Santa Cruz

Maria Auxiliadora de Oliveira Amapola disse...

Fizeram tantas reformas desequilibradas no ensino, que o resultado está aí.
Os políticos se preocupam com a "estatística", porque isso gera mais dinheiro para a sua região.
O aluno não precisa aprender... Basta adquirir um canudo de papel.

Sobre a violência, as medidas cabíveis teriam que ser colocadas em prática urgentemente.

Meu filho mais velho é professor e conversamos muito sobre isso.

Muito obrigada pela honra da sua visita.

Beijos no coração.